segunda-feira, 26 de abril de 2010

Midnight in Manhanttan...


As luzes intermitentes do tráfego reflectem-se abundantemente na tua face. Não essa face oculta que escondes na redundância do teu receio. As pessoas, essas, apressam-se na insipidez das suas vidas de apegos incertos. O tempo, esse, corre disconexo na chuva incessante. O teu respirar, convulsionante irrepetível, cruza-se com as minhas já sufragadas exigências de costume. Estás mais irresistível, mais improvável. Mas eu gosto de ti nestes volteios a galope pelas nossas areias movediças. Gosto, mesmo, porque tu não me pedes, não impões que te queira nem pedes licença para entrar. E vens-me abrir a porta do carro com esse ar afivelado de preocupações. Caminhamos. Sem destino marcado. Talvez porque mereças palavras de outrora, onde pululavam luares embriagados e inconsequências, apenas te ofereço o imediato, que não mais posso guardar. Se ao menos me coubesse oferecer-to. A cidade corrompe-se, porque sabe que somos um caso perdido. A crise reinstala-se, a bolsa dá sinais de queda e os níveis da indelicadeza proliferam. Como é reconfortante que me dês a mão, me salves desta loucura induzida, e desta incapacidade de me refazer. Jogamos a vida por um fio de sucessões intermináveis de porquês. Queremos que cesse este desgoverno, este descompromisso aturdido de suposições vagas, como vagas são as maresias do futuro. Estamos vazios de sentido, despojados da verdade, temos culpa na formação da personalidade, somos a prescrição geral e em particular, somos a lei vetada, somos a moção de censura. Já nem códigos nos servem porque não aceitamos lições de moral, nem revogações ou leis obsoletas. Queremos os direitos que não temos, ter acesso aos recônditos arquivos do nosso passado sem requerimentos ou indeferimentos tácitos. Queremos ser o esbulho recíproco do nosso património corporal sem reposição do mesmo género e da mesma quantidade. Queremos ser arrolados para o mesmo espaço exíguo de uma repartição pública. Para que nos não privem de desejos adormecidos. Queremos viver histórias hollywoodescas, queremos ser cowboys a cavalgar como se não houvesse amanhã, mesmo com este pôr-do-sol tão promissor. Queremos ser fotografados a altas horas numa multidão de gente embriagada. Queremos isto, aquilo e aqueloutro. Sem pagar. Queremos comissões, cheques avultados, o décimo terceiro ou quarto mês, queremos benesses, isenções, bilhetes Lisboa – Nova Iorque em primeira classe. Queremos casas à beira-mar, casas de campo, descontos e favores. Ao fundo, somos vultos da nossa condição, imagem distorcida de realidades apartadas. Faremos tudo. Alcançaremos tudo. Iremos despoletar guerras, curar as feridas, reconstruir cidades. Iremos ser a amálgama de qualquer coisa que não sei dizer. Iremos subir montanhas, quebrar barreiras. Iremos ser o sal dos oceanos, a transparência dos rios sem margem, o reduto de nascentes sem leito. If only darling…