terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Horas vazias...



Observo-te daqui. Estás recostado na chaîse-longue. Repousas deliciosamente depois da estafa quotidiana. Estás lá, quieto, olhar penetrado em mim. De vez em quando inclino-me e dou-te um beijo que retribuis sem pressas. Deixo-me ficar assim, sob a tua protecção, sob o teu desígnio supremo, não obstante a chuva agora contra a janela. Observo-te relevo a relevo, ruga a ruga. Mãos sábias, dedos sem subterfúgios apontando o caminho. Estás aí, invisível, ao meu lado, não te vás porque as horas não bastam. O tempo não espera, quanto mais o amor. Se me deixas, soçobro, sucumbo, passo a não poder aguentar. Fazes-me lembrar um rio cujas águas furiosas não abarcam o leito. Inconformadas, correm como cavalos indomáveis até se diluirem num conjunto selvagem que afinal és tu. Gosto-te de escrever assim, com os vagares que se estabelecem quando pensamos que estamos sós. Estás aí, nem uma palavra, as cores pálidas da tarde invadem-te a expressão maquiavélica, os vapores da respiração turvam-te os desejos, mas ainda assim és necessário. Ou, até te confessaria que és imprescindível. Como o ar que me sustém, como a água que me mata as sedes ou como a luz que trespassa as minhas veredas. Onde eu e tu construímos vidas.

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